segunda-feira, 11 de maio de 2009

estórias de amor - a farda [plágio descarado]

A noite fazia-se quente à medida que avançava. Naquele lugar à Beira-Tejo não era só a temperatura a subir. Havia Fiats e Fords, pequenos automóveis com donos sem dinheiro para pagar a gasolina, vidros embaciados e o lugar de trás ocupado. Ela era uma dessas raparigas no início da juventude, apaixonada, a descobrir um mundo a que muitos chamavam sexo mas que ela insistia em dizer que não era mais do que amor verdadeiro. No banco de trás, saia arregaçada numa lua de Verão, ele por baixo dela e ela ao colo dele. Encaixavam os corpos como podiam e não queriam saber que posições mantinham os do carro do lado, porque ninguém se importava com ninguém, quando o que importava era o que se passava dentro de portas e de vidros lisos. Tomara que fossem foscos. Respiravam fundo e entregavam palavras de gozo um ao outro. A saia cobria parte das pernas e as sandálias de salto há muito rodavam perto dos tapetes, descalças. Ele tinha os jeans a meio corpo, desapertados, boxers aos quadradinhos abaixo da anca, a a pele branca a roçar-se na dela.

O toque fê-los dar um salto. O Citrôen AX de um modelo antigo deu cor ao rubor que traziam no rosto. No vidro sem sombra, os nós dos dedos apagavam o terno embaciamento da noite. Deixavam marcas e faziam barulho. Lá fora, o homem de farda azul olhava para eles e gozava o momento. Calças à pressa puxadas para cima, as cuequinhas de renda arrastadas das pernas, sandálias que voltavam aos pés e um salto para a rua. Só ele, que ela estava demasiado embaraçada para existir.

Nos outros carros observava-se agora o Rio e a Ponte. A lua dava sinais de tréguas e todos respiravam fundo, os que não tinham sido surpreendidos pelos dedos da farda. Ele dava desculpas e tentava provar que não, que não era atentado ao pudor, que ali todos faziam o mesmo, que não havia crianças, nem velhinhos, nem turistas a passear ao longo da noite. No banco da frente, ela ouvia baixinho o que se passava lá fora. Via-o humilde e quase arrependido, à procura de uma justificação para não lhe resistir. Teve medo.

Tinham passado 24 horas. Ele esperava agora pelo homem da farda azul, numa rua algures na cidade. Sítio combinado, talvez perto da esquadra, ele nem sabia bem. No bolso, a vergonha da noite anterior e uma nota de 20 euros. Não se pedia mais a um rapaz de 19 anos. Viu-o chegar, assobio na boca e cassetete à cintura, talvez sem nunca ter sido usado. Ela em casa, a criar imagens de uma situação que não vivera até ao fim mas que também provocara. O arrependimento era de ter sido apanhada e prometeu não repetir a proeza. Pelo menos ali, à beira-Tejo. O polícia aproximou-se e sentiu-se satisfeito por ter criado problemas a mais alguém. Pouco importava se uma casa era roubada, ali ao lado, se uma mulher era violada, se uma idosa era espancada. Aquele rapazinho tinha de pagar por amar alguém, assim, desenfreadamente, à vista de todos, sem vergonha. E o polícia, que há muito não sabia o que era o amor.

A conversa acabou com menos 20 euros no bolso e uma tentativa de receber mais. Livrava-o da prisão, e da multa maior, e da vergonha na esquadra, é certo... mas queria a sua parte, o suficiente para uma bica e talvez três ou quatro jolas, que a tarde estava para esquecer. Ele libertou-se da nota sem medo. As mesmas calças que antes tinham sido arrastadas pernas abaixo, guardavam agora o vazio de uma noite que tinha prometido ser densa. Não olhou para o homem fardado quando lhe passou o dinheiro para a mão. Fixou-se na farda e sentiu vergonha. Não por ter sido apanhado em plena noite da cidade a fazer amor com ela. Mas porque no dia em que vivia, um homem só trocava o pudor por uma nota de 20.

by Samantha

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