quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

estória de um ponto final

Era uma vez um ponto final que se sentia triste, vazio e não sabia o que fazer. O ponto final via os outros sinais à sua volta, e sentia que ainda não tinha encontrado o seu lugar no mundo. Admirava os seus irmãos mais velhos, o ponto de interrogação e o ponto de exclamação, que suscitavam as maiores inquietações e os sentimentos mais nobres e mais crús de autores, e pensava sempre que nunca poderia seguir os seus passos. Afinal, ele era o fim de tudo, quem terminava, a bem ou a mal, e não deixava espaço para mais.

Até os seus primos parêntesis tinham funções nobres. O parêntesis curvo adicionava sempre um ponto à narrativa (i.e. era o rei dos exemplos ou das explicações retiradas de contexto). O parêntesis recto, era o amante de poetas e criativos: criava espaços e narrativas alternativas [ou apenas comentários do próprio autor].

O ponto final sentia até inveja da vírgula, e do ponto normal. Além de estarem rodeados da acção, os dois adicionavam afirmações às frases, introduziam novos conceitos, completavam parágrafos e marcavam o ritmo da narrativa. Sentia inveja do caso que tinham. Quando estavam juntos formavam o ponto e vírgula; criavam algo de novo, e apesar de ser um compromisso entre o efeito dos dois, davam mais sentido à narrativa e marcavam o ritmo de uma boa história.

Um dia, passeando tristonho e pensativo, perdido entre as linhas de um conto e questionando-se do sentido da sua vocação, o ponto final encontrou a dois pontos: foi amor à primeira vista.
“Tu és a forma gramatical mais bonita que alguma vez conheci: introduzes novas ideias, completas e dás mais cor às frases, abres novos mundos podendo mudar uma história completamente ou ser a figura mais usada nos documentos descritivos. Como é possível haver algum ponto tão perfeito?” – soltou o ponto final. “Mas, então e tu?” – respondeu-lhe a dois pontos, com um sorriso de reconhecimento – “tu és o final de tudo, nada te escapa. Tu completas as ideias, terminas o trabalho dos autores. És a razão que mais angustia os escritores, todos te procuram, estás presente em tudo o que se escreve e agora estás aqui.” Os olhos dos dois brilhavam, e cheios de esperança no coração, abraçaram-se num abraço sem idade. Os restantes sinais não compreendiam como dois sinais tão diferentes poderiam estar juntos: não tinham nada a ver: as aspas retorciam-se quando os viam, e a própria cedilha afirmou que eles não poderiam durar.

No entanto, nunca o mundo da gramática tinha conhecido amor tão forte. Juntos, conquistaram poetas, contadores de histórias e apaixonados. Estão juntos tanto em épicos como em cartas de amor, e são os preferidos de todos aqueles os que têm esperança e imaginação. Deixando a narrativa, e a vida, muito para além que um simples livro. Juntos, criaram as reticências, e viveram felizes para sempre...

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