quarta-feira, 14 de outubro de 2009

renouncement [like so many people]

mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da "liga internacional das mulheres inúteis", ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres so séc. xvii, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.

tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a mónica. mas são só a sua caricatura. esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.

por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. pode-se dizer que mónica trabalha de sol a sol.

de facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.

a poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. o amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.

isso obriga mónica a observar uma disciplina [muito] severa....


Sophia de Mello Breyner in Contos Exemplares

1 comentário:

Lost in Lisbon disse...

yes. yes. yes.
ainda este fim de semana li esta shortie...
é o livro que dou aos meus amigos estrangeiros que se quando se mudam para Portugal.